“A ortodontia continua num caminho de grande evolução e transformação”
A médica e médica dentista Helena Afonso Agostinho, que assumiu há meses o cargo de presidente da Sociedade Portuguesa de Ortodontia (SPO), constata que a evolução na área da ortodontia digital é diária, mas considera que a chave de um bom tratamento ortodôntico “é e continuará a ser o profissional de saúde, seja qual for o meio envolvido no tratamento”. Em entrevista à Maxillaris, a também docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e da Universidade de Barcelona sustenta que a base do sucesso no investimento em novas tecnologias é a formação. Neste contexto, perante a crescente oferta formativa, “há que ser criterioso no processo de escolha e optar por formação credível e preferencialmente certificada”, sublinha Helena Afonso Agostinho.
Como comenta o panorama da ortodontia, uma área em plena evolução?
A ortodontia atual reflete a tendência de que a escolha da técnica a utilizar, numa conjetura em que os meios digitais têm ocupado um espaço cada vez maior, é vital. O poder da escolha – o tema do nosso congresso deste ano – é por isso fundamental: o tratamento com aparelhos ditos “convencionais”, sejam fixos com brackets ou removíveis, é e continuará a ser a opção em muitas situações. Os alinhadores “invisíveis” com inúmeras opções no mercado vieram introduzir um novo paradigma. O recurso a ancoragem esquelética está mais difundido, bem como a inteligência artificial. Sistemas híbridos usando as diferentes técnicas em conjunto e potenciando o que de melhor cada uma tem para oferecer, providenciando mais segurança, qualidade, e menor tempo de tratamento. Com estas opções, aliadas ao grande entusiasmo na classe pela enorme quantidade de estudos e artigos científicos sobre estes temas, leva-me a concluir que a ortodontia continua num caminho de grande evolução e transformação.
Acha que já se conseguiu retomar a fase pujante (que estava a consolidar-se antes da pandemia) em termos de valorização, adesão, intervenção precoce, resultados estéticos de excelência, etc.?
A adesão por partes dos pacientes é cada vez maior porque sentem que os tratamentos propostos têm êxito e esse sentimento é passado à sociedade em geral. Desde a reabertura do país, em maio de 2020, após a primeira vaga de Covid-19, os doentes perceberam que os médicos dentistas/estomatologistas estavam muito bem preparados e equipados e poderiam efetuar os seus tratamentos sem riscos acrescidos. A resposta é assim afirmativa, já se retomou a normalidade numa evolução constante.
Que critérios ou valores essenciais deve observar o médico dentista que centra o seu exercício no campo da ortodontia?
Os valores são os que definem a bioética: a beneficência, a não maleficência e a justiça; ou seja: dever de tratar, não fazer dano e não discriminar. Em suma, os mesmos que todos os outros profissionais de saúde. Deve prestar ao paciente os melhores cuidados de saúde oral ao seu alcance. O médico dentista deverá centrar a sua atividade profissional no paciente e no melhor tratamento que lhe pode oferecer no sentido de lhe proporcionar bem estar fisico, social e mental.
Na sua opinião, que cuidados deve ter o profissional na abordagem ao paciente antes de optar por determinado tratamento ortodôntico?
Pessoalmente valorizo muito a história clínica. Como docente e pelo pouco tempo que os profissionais têm pode haver a pressão para nos centrarmos apenas no motivo da consulta. Os antecedentes pessoais e familiares são guias para ainda maior exploração no exame objetivo, compreensão dos meios auxiliares e para o diagnóstico e plano de tratamento. O sucesso do tratamento depende do diagnóstico. E depois informar – os pacientes e os seus encarregados de educação – das opções de tratamento tendo em atenção o seu direito de autonomia.
Como comenta a evolução na aparatologia ao serviço da ortodontia contemporânea?
Sendo uma área de atuação que implica com a estética, é muito apelativa a novos e inovadores tratamentos e meios de diagnóstico. A evolução na área da ortodontia digital é diária com cada vez maior utilização de tecnologia 3D, o CBCT, scanners intra e extra orais de alta precisão. A tecnologia com recurso a Inteligência Artificial é cada vez maior, nomeadamente na área dos alinhadores invisíveis com simulações e previsões muito realistas e fiáveis. É todo um mundo tecnológico em evolução e expansão. O futuro da ortodontia é hoje! Mas… olhando para o futuro, não esquecendo o passado.
É indiscutível que as novas tecnologias resultam numa maior eficácia, rapidez, precisão e conforto no tratamento ortodôntico, mas isso exige elevado investimento em material. Na sua opinião, quais são os “prós e contras” da odontologia digital?
A base do sucesso no investimento em novas tecnologias, nomeadamente a digital, é a formação. Com cada vez maior oferta formativa há que ser criterioso no processo de escolha e optar por formação credível e preferencialmente certificada. Depois, ponderar se o investimento aplicado na ortodontia digital será uma mais-valia para o paciente e para a Unidade de Saúde Oral ou apenas uma forma de atrair “clientes”. A tecnologia digital quando bem aplicada pode ter várias vantagens comparativas como redução de erros, redução de tempo de diagnóstico, melhor e mais realista previsão do resultado final. A introdução deverá ser gradual porque o investimento pode chegar a valores extremamente elevados e é necessário tempo de aprendizagem. Não é, não obstante, panaceia para um bom tratamento ortodôntico. Como já referi, a chave de um bom tratamento ortodôntico é e continuará a ser o profissional de saúde, seja qual for o meio envolvido no tratamento.
Numa era de inovação tecnológica e novas metodologias de tratamento, que importância atribui ao fator “diagnóstico” e ao conceito de “abordagem multidisciplinar” em contexto ortodôntico?
Como não pode deixar de ser, a nossa bagagem passada acaba sempre por pesar nas nossas decisões e atitudes. O tema da minha tese de doutoramento foi “Alterações morfoclínicas em crianças com patologia respiratória crónica e respiração oral”. Foram crianças das consultas de Estomatologia Pediátrica do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria). A interação com a Pediatria, a Otorrino e a Imunoalergologia foi essencial. Sempre valorizei a abordagem multidisciplinar nas diferentes valências, sejam médico dentárias ou médicas. Como já abordei anteriormente, o diagnóstico é uma das chaves do sucesso do tratamento. As novas tecnologias são mais uma ferramenta.
Como classifica a conjuntura da ortodontia em Portugal, em matéria de ensino e formação, nomeadamente pós-graduada?
A formação contínua é imprescindivel. Existem cada vez mais entidades a dar formação. Cabe ao profissional optar pelo curso que considera mais adequado às suas necessidades. Existem cursos de entidades não universitárias e direcionados para uma área muito particular. Aqui a opção é apenas pelo conhecimento e não pelos créditos. Optando pela formação pós-graduada universitária, há opções de pós-graduações e mestrados. Com ECTS. E formação com acesso à especialidade pela OMD. Em Medicina um título de especialista é clínico e não passa maioritariamante por faculdades. Em Medicina Dentária é diferente. E segue normas europeias. Sou especialista em Odontopediatria pela OMD. Uma especialidade recente. Os tratamentos ortodônticos fazem parte do tratamento da população pediátrica. Desejo que como especialidade faça um caminho seguro. De acordo com o estatuto da OMD, não há impedimento a que qualquer médico dentista possa exercer a sua atividade em determinada área de conhecimento.
Na sua qualidade de presidente da Sociedade Portuguesa de Ortodontia (SPO), que prioridades definiu para o seu mandato?
Convido todos a lerem a minha mensagem no site da SPO em que refiro que o objetivo é unir, criar pontes para todos chegarmos mais longe num espaço de divulgação, discussão e formação em ortodontia. Apostando no futuro sem esquecer o passado e presente. Queremos chegar aos mais novos, às novas tecnologias, à integração de todos os entusiastas da ortodontia. A um mandato de proximidade. Temos de trabalhar juntos. E pensar em estabelecer parcerias nacionais e internacionais com outras sociedades científicas. O meu lema é sempre “juntos somos mais fortes”.
Que inovações podemos esperar desta direção da sociedade científica, com o fim de mobilizar a classe e reforçar o número de associados?
Tomámos posse há poucos meses. E é preciso tempo. Fizemos um novo site integrando o congresso dentro do site na sociedade, que está renovado. Convidámos a Dra. Cristina Faria Teixeira para presidente da comissão organizadora do XXIX congresso. Temos um programa de excelência. Estamos a trabalhar para todos. Reduzimos o valor da quota de associado pensando nomeadamente nos colegas mais novos, queremos contar com todos os que quiserem fazer da ortodontia o seu mundo. Queremos acrescentar, unir, ser fator de agregação. Contribuir para o avanço da ortodontia, estimular o estudo e a publicação de artigos e estudos. Contamos com todos os amantes da ortodontia.